12.12.06

A LÍDIMA COR



Espero do silêncio
a lídima cor da púrpura.

A púrpura molhada
pelo ouro da plenitude.

O ouro verbal das aves.

J. Alberto de Oliveira

11.12.06

LAUDATO SI', MI' SIGNORE!




(...)

Laudato si', mi' Signore, per frate vento
et per aere et nubilo et sereno et onne tempo,
per lo quale a le tue creature dai sustentamento.

Laudato si', mi' Signore, per sora aqua,
la quale è multo utile et humile
et pretiosa et casta.

(...)

S. Francisco de Assis - "Cantico delle Criature"

26.11.06

A VOCAÇÃO DA CALIGRAFIA

Fotografia: Carlos de Oliveira



Podes ficar no segredo
ou ser apenas a vocação

mais íntima da caligrafia.

Na razão de te ler
sublime é a melancolia.

J. Alberto de Oliveira

15.11.06

A PÚRPURA E O AZUL



A púrpura e o azul
a despir os ombros.

A alma e sua leveza
a iluminar os dedos.

E de súbito no pulso
o bater luzente do nome.

O movimento jubiloso 
do lume carnal no pulso.

J. Alberto de Oliveira

10.11.06

O POETA DELIRA



A poesia é uma espécie de língua estrangeira, porque o poeta delira quando escreve.
Será tanto assim?
A resposta vem de Gilles Deleuze:
"L'écrivain, comme dit Proust, invente dans la langue une nouvelle langue, une langue étrangère en quelque sorte. Il met à jour de nouvelles puissances grammaticalles ou syntaxiques. Il entraîne la langue hors de ses sillons coutumiers, il se fait délirer".

UMA LUZ ABSTRACTA




Era uma luz abstracta
quase de perfume.


Era uma rosa intacta
demoradamente nua.

J. Alberto de Oliveira

9.11.06

IR CONTIGO A DELFOS




Ir contigo a Delfos
seria um dia beber

a água viva e jubilosa.

Seria ouvir-te na frase
mais alta da sede.


J. Alberto de Oliveira

4.11.06

POESIA E MISTÉRIO



Há um domínio da poesia que tem que ver com uma relação com o mistério, com o desconhecido, com aquilo que, do mundo, em nós, nós não compreendemos bem. Aquilo que não conhecemos, mas que reconhecemos como sendo qualquer coisa que já antes existia em nós. Há uma forma de reconhecimento, na poesia, que tem que ver com o mistério.

Manuel António Pina - LER, nº68

COM PALAVRAS


Conta-se que o poeta francês Stéphane Mallarmé terá visitado o pintor Degas no seu atelier e que o pintor lhe disse:
- Oh, caro Mallarmé, tenho ideias fántásticas para poemas, se tivesse o seu talento...
E o poeta respondeu-lhe:
- Meu caro Degas, a poesia não se escreve com ideias, é com palavras.

28.10.06

A QUEIMADURA CELESTE



Em si mesma, para cada um de nós, no momento em que nos toca, como se fosse o dedo de Deus, a poesia esconde-nos da morte. 
É o único céu portátil de que estamos certos. 
Um céu de palavras, que de século em século se comunicam, a queimadura celeste que a vida deixou nos nossos vulneráveis corações. 

Eduardo Lourenço

2.10.06

ACERCA DE "O SOM APROXIMATIVO"



J. Alberto de Oliveira publica o seu primeiro livro nos anos 70. Agora O Som Aproximativo, que é o seu quarto livro, retoma uma poesia que se caracteriza também pela depuração:

O âmago do silêncio
não o dês ao mundo.


Não o desvies da pura
vivência
que se designa


como doçura
o doer íntimo da luz.

De novo a palavra lirismo pode ser invocada para caracterizar uma poesia que "surpreende o vazio" das coisas, "procura a noite dentro do sono", "transfigura as horas e sua poesia" ou fala dos "altos umbrais da poesia".

Fernando Guimarães, in "Crónica de Poesia", JL - 12/09/ 2006

15.9.06

A ÚLTIMA CASA DO MAR






                                                                 para Mário B.

Não era uma fonte enlevada
nem o cristal do silêncio.

Seria talvez
num poema breve

a última casa do mar.

A casa da transparência
onde moras

sem tempo
nem solidão nas palavras.


J. Alberto de Oliveira

14.9.06

ABISMO - Luísa Neto Jorge





Um dia acorda-se e o abismo é berço,
e o diabo mais do que irmão.
Todo o desvio tem seu preço.

Luísa Neto Jorge

8.7.06

O PRIMEIRO ACTO LIVRE


(...) a liberdade deve estar em qualquer parte, e o primeiro acto livre que encontrei foi o da escrita. Só depois procurei a música. Toda ela é um amor interior que ainda não fala. Quem a recebe à porta, é quem o diz. Ela sai e entra, penetra no corpo, transforma-o em pregas de muda dimensão. Muda, por agora. Porque presumo que há-de ensinar-me o dobro das palavras que eu sei.

Maria Gabriela Llansol - AMIGO E AMIGA - Curso de silêncio 2004

26.6.06

O SILÊNCIO DA ACRÓPOLE



Quando entrei pela primeira vez na Capela Sistina o barulho era tanto que não podia ver. Bandos de turistas conduzidos por guias erravam num desvairo de babilónia. Falavam todos ao mesmo tempo nas suas diversas línguas, vozeavam como um enxame, e o alto movimento dos Ignudi perdia-se na sua desordem. Tudo estava desfocado.
Verdadeiramente não vi a Capela Sistina nessa primeira visita. Porque uma obra de arte tem de ser vista naquele vazio e naquele silêncio onde o artista se colocou para a criar. Tem de ser vista numa situação pura. Se para tantos homens a arte perdeu a significação, é porque antes disso eles perderam em si mesmos o seu próprio espaço interior, a disponibilidade vazia, a lisura do silêncio. Como turistas trazem consigo o seu barulho e a sua agitação opaca, que em tudo implantam, e não há guia, nem professor de estética, nem crítico de arte que os possa salvar da sua errância estéril.

O barulho da Capela Sistina doeu-me tanto mais porque ali me lembrei dos templos gregos, quebrados e arruinados, mas conservando inteiro o seu halo de silêncio.
Foi ao meio-dia que subi pela primeira vez à Acrópole. Um meio-dia frontal, um meio-dia total, sem uma falha. Mas atento e subtil, radioso de espanto. O sol poisava as suas mãos sobre os meus ombros. Subi as escadas e atravessei os Propileus. O silêncio reinava, inteiro, sagrado. Um silêncio incorruptível, que da voz da cigarra ou do rolar da pequena pedra solta sob o passo do homem fazia um elemento do silêncio.
Nenhuma descrição de viajante, nenhum livro de arte podia fazer prever este silêncio: só a experiência do nosso próprio tempo interior. E também os grandes planos de silêncio que suportam o discurso nas tragédias de Ésquilo. Ou o silêncio que na língua grega se cava entre as sílabas das palavras.
À direita o templo de Atena Niké avança como uma proa no espaço aberto e deslumbrado. No lado norte, no lugar mais sagrado da Acrópole, a forma desdobrada e dupla do Erectéion. Olho-o sentada num degrau do Partenon, rente a uma coluna. Do outro lado da coluna está sentada uma rapariga, calada e quieta e atenta.
Meio-dia frontal, quase sem nenhuma sombra. As sombras recuavam sob a raiz das colunas. A nudez brilhava, interior ao branco. O ar era ágil e grave. Veemência e solenidade, paixão e repouso.
A Acrópole que vi não era a Acrópole dos turistas. Aliás, àquela hora, sob o sol a pino, os turistas eram raros. E não vinham em grupo e não traziam guia. Não eram turistas. Não havia neles nem a curiosidade nem a agitação de quem é, como turista, exterior ao que vê. Era gente que viera de longe em busca de um lugar longamente amado, desejado, imaginado. Gente que viera para ser medida, para confrontar com a verdade dum lugar a própria verdade do seu ser.
E sei que não vi a Acrópole de Péricles. Os degraus estão quebrados, as colunas derrubadas, a pintura apagou-se, não há procissões nem sacerdotes, as celas estão vazias, o bronze foi fundido, as métopas, os frontões e os frisos estão dispersos pelos museus do Mundo.
Mas não foi a Acrópole de Péricles nem a de Pisistrato que vim procurar. Não imagino a estátua de Atena Promachos nem a chegada dos persas. Imagino exactamente o que vejo. Na minha imaginação não há nenhuma “Son et lumière”. Não procuro recuo no tempo. Não vim aqui por motivos turísticos. Não tenho curiosidade. E também não vim aqui por motivos de cultura. Não sou arqueólogo. Não vim para saber onde era tecido o véu de Atena nem para identificar o percurso das Panateias. Não vim estudar uma civilização morta. Não vim celebrar o passado. O que está aqui não é passado, é a minha vida, a minha busca. O que está aqui é actual porque é lição do ser. E mais uma vez reconheço que só a arte é didáctica, que só ela me ensina o que só nos termos pode ser ensinado.
Pois é como se a grande mão do sol nos tivesse lavado de todo acidente e de toda a contingência e tivéssemos regressado a uma situação pura. E as palavras que sobem no meu pensamento são as palavras de Parménides de Eleia:
“O ser também não é divisível, pois ele é todo inteiro, idêntico a si mesmo; não sofre nem acrescenta, o que seria contrário à sua coesão, nem diminuição, mas está todo inteiro, ocupado pelo ser; por isso, é inteiramente contínuo, pois o ser é contínuo ao ser”.
Na plenitude do meio-dia as colunas parecem imanentes à luz. O tempo devorou as procissões e os ritos e apagou a tinta das pinturas. Mas na Acrópole saqueada e quebrada permanecem inteira a proporção exacta, a solenidade da atenção, a busca apaixonada, a escrita do ser. Implantadas no sol e no silêncio.

Sophia de Mello Breyner Andresen
(Texto encontrado num recorte do “Diário Popular” de 21/03/1968)

21.6.06

A CHUVA



Ouve a chuva
nas folhas húmidas.

Será tanto assim
o canto antigo

de beijos
noutros beijos?

José Alberto de Oliveira
("Alegria Irrecusável" - 1974)

20.6.06

DE FOLHA PERFUMADA



De folha perfumada
te quero
nos sentidos do vento.

Manancial de linho aberto
e suspenso dos ombros.

Linho feito de palavras
atentas
ao amor que vem de Setembro.


J. Alberto de Oliveira

11.4.06

UM FURTIVO SOSEGO




Enquanto longe dormes
com o lume
todo voltado para ti

um furtivo sossego
perfuma a noite e a lua.

Nascem preciosos
versos de medida pura.

J. Alberto de Oliveira

SER E SEQUÊNCIA




Abre-te à sequência
da casa e da maresia.

Desata e folheia
a suavidade e o ser.

Escolhe e desafia
o sítio onde soletrar

linha após linha
sete versos inteiros.

Apura na palavra
o sopro e o desejo.

Regressa às delícias
do júbilo perfeito.

J. Alberto de Oliveira